quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A Mancha Humana


 Este livro fez-me descobrir, uma vez mais, que o lado aparentemente mais "sacana" dos seres humanos, não passa afinal da sua mais humana fraqueza, portanto digna de pena.
 Contém partes importantes do que busco em todas as leituras : - Uma explicação plausível para as numerosas contradições que se nos deparam, uma contribuição para esta busca incessante de um caminho certo, de uma resposta para o terror paralisante de não ter feito as melhores escolhas, tendo em conta que só se vive uma vez….
A consciência de si que  parece,neste livro, às vezes, ser tão falsa ou enganosa como a consciência do outro, outras, manipular perigosamente os dados, baralhando-os, confundindo-os, tornando praticamente impossível conhecer quem quer que seja. Será que afinal o avanço da psicologia e da sociologia implica um recuo no conhecimento da alma humana, que parece cada vez mais obscura?! Por outro lado, vislumbram-se, neste livro, consequências possíveis da instauração de uma meritocracia  que pode muito bem tornar-se um “ pau de dois bicos “ quer para o sujeito envolvido, quer para a sociedade envolvente. A questão da procura do seu lugar no mundo, que por vezes conduz de forma perniciosa a uma entrada numa luta de poderes a que não se pertence, onde nunca se pretendeu entrar…A confusão que alguns seres humanos fazem, entre a conquista deste lugar no universo, e a primária delimitação de território, (ponto de partida mal perspectivado, humanamente errado, para a situação individual no universo) é, também, uma das aparentes propostas de reflexão deste livro.. Há, ainda, a conclusão vulgar, mas sempre nova, de que o problema maior de cada ser humano como indivíduo é a sua solidão, a solidão em que nos encontramos todos no fim ( nós e Deus(?) , nós e a natureza(?)(o universo imenso ), cada um de nós um simples  e insignificante” X numa folha de papel em branco” ( esta imagem, e o que me parece ver nela de simbólico- a ausência de significado que cada um de nós transporta quando confrontado a sós com um universo imenso e insondável) é muito interessante!; Também me agradou pelas coisas mais pequenas, como pela desconcertante sofisticação que as relações humanas assumem aqui,  pela surpresa de ver quão ténue é a fronteira entre a autenticidade e o embuste, ou entre a sanidade e a loucura,  pela quantidade de aparentes contrasensos que afinal são a matéria de que é feita a vida, pela hipocrisia dos poderosos/ o abandono a que são votados os indefesos ( que afinal só se têm uns aos outros, como os veteranos - “ os implacáveis e os indefesos “ de que fala o livro), pelo modo como os problemas raciais são mostrados( como no cinema, através do comportamento de personagens das variadas raças) , sem o paternalismo habitual, isto é, sem os vilões e as vítimas do costume. Ao fim e ao cabo, há, ainda, personalizada em Coleman e na sua escolha, para a qual parece não ter tido outro remédio, a velhíssima questão de dimensão Bíblica  a”horrível imperfeição elementar”( o pecado original?) ,”a nódoa que deixamos atrás de nós e que é infinita”, que, a avaliar pelo título do livro é o Leitmotiv da obra…

 

 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012


File:LangstonHughes.jpg


James Mercer Langston Hughes (February 1, 1902 – May 22, 1967) was an American poet, social activist, novelist, playwright, and columnist.

I, too

I, Too

I, too, sing America.

I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.

Tomorrow,
I'll be at the table
When company comes.
Nobody'll dare
Say to me,
"Eat in the kitchen,"
Then.

Besides,
They'll see how beautiful I am
And be ashamed--

I, too, am America.
Ortega y Gasset- filósofo espanhol (9 May 1883 – 18 October 1955)
 "Yo soy yo y mi circunstancia"

A Rebelião das Massas

" Para já somos aquilo que o mundo nos convida a ser, e as feições fundamentais da nossa alma são impressas nelas pelo perfil do meio circundante como por um molde. Naturalmente, viver não é mais do que lidar com o mundo. O cariz geral que ele nos apresentar será o cariz geral da nossa vida. (...) E, se a impressão tradicional dizia: , a novíssima voz grita: [O homem] Quando lograva melhorar a sua situação, quando ascendia socialmente, atribuía-o ao acaso da sorte (...). E quando não era isto, era um enorme esforço que ele sabia muito bem quanto lhe custara. (...)
[ o homem massa] Está satisfeito tal como é. Ingenuamente, sem necessidade de ser vão, como a coisa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e a dar como bom o que encontra em si: opiniões, apetites, preferências ou gostos. Porque não se(...) nada nem ninguém o obriga a dar-se conta de que ele é um homem de segunda classe, limitadíssimo, incapaz de criar e até de conservar a própria organização que dá à sua vida essa amplitude e contentamento em que funda tal afirmação da sua pessoa?
Nunca o homem-massa teria apelado a nada fora de si se a circunstância não o tivesse obrigado violentamente a isso.
(...) Pelo contrário,o homem selecto ou excelente está constituído por uma necessidade íntima de apelar de si mesmo a uma norma para além dele, superior a ele, a cujo serviço se coloca livremente. (...) Contra o que se costuma pensar, é a criatura de selecção, e não a massa, a que vive em servidão essencial. Para ele a vida não tem sabor se não a fizer consistir num serviço a algo transcendente. Por isso não considera uma opressão a necessidade de servir.(...)
(Goethe) (...)
O direito impessoal tem-se e o pessoal sustém-se. (...) O simples processo de manter a civilização actual é superlativamente complexo e requer subtilezas incalculáveis. Mal pode governá-lo este homem médio que aprendeu a usar muitos aparelhos de civilização, mas que se caracteriza por ignorar de raiz os próprios princípios da civilização. (...) a indocilidade política não seria grave se não proviesse duma indocilidade intelectual e moral mais profunda e decisiva."

Ortega y Gasstet

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Entrevista a Isabel Allende


CL - Nessa partilha da sua vida com o leitor o que sente receber (em troca)?

IA - A vida é desordenada e confusa. Vivemos angustiados, sem tempo para reflectir sobre os acontecimentos. Ao escrever ordeno o caos da realidade – por isso tenho necessidade de escrever sobre o meu próprio acontecer. Mas não lhe sei dizer o que ganho com essa revelação da minha vida, já que não planeio a escrita em termos de ganho ou perda. Tenho simplesmente uma imperiosa necessidade de compartilhar histórias com os leitores. Não escrevo para mim, escrevo para comunicar.

CL - É ainda muito generosa, ao longo do livro, no descrever do seu processo de escrita. Fala nas horas e horas de trabalho, na investigação, estudo, no que sofre com os temas. Não teme que o encanto se quebre? Ou é intencional essa revelação da “oficina” da escrita e da imaginação?

IA – Descrevo a verdade. Para escrever preciso de imaginação, mas preciso, sobretudo, de disciplina. Ao contar os meus “segredos” espero que outros escritores, ou aspirantes a escritores, compreendam que não existem truques de magia na literatura – apenas trabalho e mais trabalho.

Não teme, não recua.
A sua verdadeira história de amor.


CL - Porquê um livro de memórias, porquê voltar, passados mais de dez anos, a um diálogo com Paula, a sua filha?

IA – Muitas coisas aconteceram na minha família nos últimos anos, e para mim é importante escrever sobre tudo isso, para que o esquecimento não apague o que vivemos. Suponho que se a Paula me pudesse ouvir gostaria de saber o que aconteceu
às pessoas que amava depois da sua partida.

CL – Mas há uma grande diferença entra a absoluta catarse de «Paula» e um certo sossegar, um certo descanso em «A Soma dos Dias».

IA – Tenho quase mais 15 anos de idade, sou uma mulher madura. E a minha vida mudou. Tenho mais paz e estabilidade, é natural que isso se reflicta na escrita. Há 20 anos que partilho a minha vida com Willie, o meu marido, e sou feliz com ele, depois de termos passado por muitos problemas. Aceitei a morte da Paula e vivo com a sua memória. Escrevo também hoje com mais facilidade, tenho mais experiência. O meu estilo é menos barroco e mais directo, uso frases mais curtas, menos adjectivos.

CL – Assume-se tribal e matriarca neste livro, mas «A Soma dos Dias» é também uma história de amor, não? Ou as várias transformações de um mesmo amor...

IA – Estou há muitos anos com Willie, brigámos, reconciliámo-nos, seguimos em frente com nossos filhos e netos, compartilhámos alegrias e desgraças, êxitos e fracassos. Posso dizer que temos uma boa parceria. Mudámos os dois ao longo destes anos, e a nossa relação transformou-se. Sentimo-nos confortáveis nas nossas rotinas. Gostamos de estar juntos, e angustia-nos separarmo-nos. A nossa é uma verdadeira história de amor.

CL – Parece haver uma ligação muito estreita entre a sua escrita e a sua sobrevivência. Depois da escrita de «Paula» reagiu à tristeza com a edição de «Afrodite». E cito-a: “Atribuí a mim mesma uma «reportagem» o mais diferente possível do livro anterior, sem nada que ver com dor e perda, apenas com os pecados prazenteiros da vida: a gula e a luxúria. “

Aí está guerreira, sempre a bregar, a bregar (a lutar, a lutar)?


IA - Sou aventureira e apaixonada, não tenho medo de correr riscos, não recuo perante a necessidade lutar por algo, mas a vida não é só bregar, não é só luta. Também a gozo, à vida, com os sentidos. Willie e eu somos o tipo de pessoa que pode cair de joelhos mas sempre voltará a pôr-se de pé. Não diria que somos guerreiros, mas somos fortes.

CL - Quase no final do livro pousa a cabeça no ombro de Willie e diz-se cansada de matar dragões. Aceitaria o subtítulo de “o descanso da guerreira” para este livro?

IA - Não. O repouso da guerreira não é um bom título porque sei que se aparecerem outros dragões no horizonte voltarei a empunhar a espada para os combater. É bom repousar a cabeça no ombro de Willie, mas isso não quer dizer que me tenha convertido numa romântica donzela. Nada disso! Esta etapa da minha vida tem sido mais fácil e feliz que antes, mas tudo pode ainda mudar. Por isso guardo a minha armadura debaixo da cama, preciso dela para o futuro.


CL-Círculo de Leitores

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Bulhão Pato


As Duas Mães

Numa igreja se encontraram
Duas mães em certo dia
Uma entrava nesse instante,
Toda cheia de alegria.
Orgulhosa e triunfante,
Levava, chegado ao peito,
Um filhinho a baptizar.
Outra, a infeliz que saía
Levava um filho também...
Oh, mas essa pobre mãe
Levava o filho a enterrar!
Cruzaram-se a poucos passos,
A que trazia nos braços,
Cheio de vida e conforto,
O filho dos seus encantos,
E a triste, lavada em prantos
Que seguia o filho morto.
Trocaram ambas o olhar,
Nisto, a mãe afortunada
Foi quem rompeu a chorar,
Enquanto a desventurada
Que o filho tinha perdido
-Oh maravilhas do amor!-
No meio da sua dor
Sorriu ao recém-nascido.


Bulhão Pato

Publicado a pedido da Assistente Operacional Augusta Barbedo

Medite


Medite



Provado está que a vida é curta e bela
E que morre um pouco em cada dia
Não queira, sem querer, dar cabo dela.
Não se irrite. SORRIA...

Queira ser indulgente e confiante,
Seja a própria justiça que o guie;
E quando errar o seu semelhante...
Não critique. AUXILIE.

Seja calmo, sereno, recto e bom
Faça do amor a base, o alicerce;
Tente da voz não alterar o tom,
Não grite. CONVERSE.

Ponha o caso em si, sempre que possa;
Deixe falar quem fala... nem repare,
E, ouvindo a consciência, amiga nossa,
Não acuse. AMPARE.

Manuel Hermínio

Postado a pedido da Assistente Operacional Augusta Barbedo

José Jorge Letria

José Jorge letria é jornalista, poeta, dramaturgo, ficcionista e autor. Nasceu em cascais, em 1951. Foi distinguido com importantes prémios nacionais e internacionais.


Miguel Cunha, 5º A

"O livro que falava com o vento e outros contos" de José Jorge Letria

Eu gostei muito de ler este livro. Reparei que todas as histórias falam de livros, e eu colocava este livro no topo da estante como o menino da história "O livro que falava com o vento", que foi das histórias que mais gostei de ler. Admiro este grande autor. também gostei das ilustrações de Alain Corbel.

Miguel Cunha , aluno do 5º ano da EB 2,3 de Toutosa

Museu de palavras




Repas
farripas
estrugido
tronchuda
bicanca/penca
bocanha
infusa
murras
malga
covilhete
bica
mona
poios

A Insustentável Leveza do Ser


A Insustentável Leveza do Ser

" A vida humana (...) é composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito ( uma música de Beethoven, uma morte numa estação) e faz dele um tema que, em seguida, inscreverá na partitura da vida."

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Dicionário de termos locais

preguiceira
maceira
gamela
dorna
enxugar
burnir
corar (pôr a roupa a ...)
papas (de nabiças)
sarrabulho
torresmos
repas

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Contra o Acordo Ortográfico


Contra o Acordo Ortográfico

A Língua é um organismo vivo em permanente expansão. Limitá-la, regulamentá-la, é castrá-la!!!

Citando Mia Couto

“A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o vôo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. "

terça-feira, 8 de maio de 2012

termos tipicamente marcoenses

Tapulho
enorme
sarrafo

O que lêem os alunos do 5º ano



A menina do mar

Eu li um livro que se chama “A Menina Do Mar”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, que gostei muito. A história é alegre, mas também um bocadinho triste. Fala sobre uma menina amizade.
Aconselho-os a ler este livro, porque a amizade é uma coisa muito importante.


Ana Rita Pinto, 5º A
O Guarda Da Praia

O livro “O Guarda Da Praia” escrito por Maria Teresa Maia Gonzalez, da editora Verbo, é muito interessante. O livro fala sobre o mar. É a história da vida de um rapaz, o Luís, mas que era tratado por Dunas pelos amigos. Ao longo do livro a autora (outra personagem) vai descobrindo coisas muito interessantes sobre a vida do Dunas. Eu aconselho a leitura deste livro porque é muito bonito.

Adriana Filipa Silva 5º A


Gostei muito de ler o livro «A fada Oriana» de Sophia de Mello Breyner Andresen. Aconselho a leitura deste livro a todos os rapazes e raparigas porque e muito divertido. E uma história muito emocionante. Adorei o final! E por isso que considero este livro muito, mas muito interessante.
Fátima Raquel da Silva Pinto, aluna do 5ºA nº 10



Eu gostei muito de ler o livro “A árvore” de Sophia de Mello Breyner Andresen. Este livro tem duas histórias “A árvore” e o “O espelho ou o retrato vivo”. Eu prefiro a primeira história porque e engraçada e porque nos mostra que o trabalho em equipa contribui para o “bem comum”.



Ana Paula Mendes Moura ,aluna do 5ºA ,nº3.


segunda-feira, 30 de abril de 2012


O último livro que li foi ´´A Rainha da Babilónia´´ escrito por Esther de Lemos que tem seis histórias. Eu gostei mais da terceira que é ´´ As meninas e o Sol.´´ Nesta história as meninas estavam na praia a falar sobre o Sol e de repente ele veio ter com elas e levou-as a dar um passeio num carro voador para lhes mostrar como ele era fantástico. A história acaba com o Sol a pôr-se. Eu gostei muito deste livro.
Cátia Marisa de Sousa Ferreira 5º A

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ainda a propósito de Torga

E assim desfilam, perante os nossos olhos, seres humanos para quem as nossas dúvidas, as nossas angústias, as nossas certezas e convicções, o nosso conceito de honradez, a nossa ideia de direito, de justiça, e de tantas outras questões que só aos humanos perturbam, são o pão-nosso de cada dia, e não nos sentimos tão sós.
 Fica-me uma imensa pena, de, por falta de espaço e de tempo, não poder referir-me a cada um deles detalhadamente, e mostrar aqui, o que eu vejo em cada um de belo (na sua quase perfeição, quase imperfeição de deuses terrenos). Que pena tenho de não poder mostrar o quanto me impressiona a grandiosidade da figura da Maria Lionça, que escolheu sempre o outro para servir serenamente, sem queixas nem revolta; da Mariana, que inocentemente viveu a vida, de forma espontânea, límpida, transparente, alheia a segundas intenções, indiferente ao interesse humano, como uma verdadeira e autêntica força da natureza; do caçador, a quem só a velhice, por vir acompanhada de fraqueza roubou a inocência e consequentemente a alegria espontânea de viver; do povo de Saudel, que à força de ser paternalizado, infantilizado, deixou, como as crianças, de ser capaz de distinguir realidade de ficção; e de tantos, tantos outros que me servem de referência vezes sem conta!

A mim, que leio por prazer, por necessidade imperiosa, por impulso incontido, por uma mão cheia de razões, a mim que não sei quem sou, que me procuro nos textos, que como Fernando Pessoa (salvas as devidas distâncias) também sou " um espalhamento de cacos ", que busco nos textos respostas para as minhas inúmeras perguntas, solução para dilemas sem solução, companhia, consolo, justificação para um sem número de incapacidades, que busco, enfim, a felicidade que não existe senão em sonho, Miguel Torga, a quem eu muito devo, oferece-me um pouco de tudo: Companhia, (fazendo sentir ridícula e mesquinha a minha solidão ao lado das suas personagens " que se purificam com sofrimento universal num purgatório de chamas transmontanas "), consolo, porque também eu que, nas palavras de Fernando Pessoa, sinto que" Venho de longe e trago no perfil, / Em forma nevoenta e afastada, / O perfil de outro ser que desagrada/ Ao meu actual recorte humano e vil." E que por isso " trago às costas esta maldição/ De sofrer com razão ou sem razão / E de não ter alívio nas lágrimas que choro!" e Miguel Torga ajuda a atenuar a minha culpa ao redimir todos os homens, fazendo-me crer que " assim vivo infeliz. / Desesperado só por ser humano, / E humano sem saber, como é que fiz."), Afinal, " Todo de carne e osso, / como posso/ transfigurar-me?"
Assim, não como " Leitor do pitoresco ou do estranho, mas como sensível criatura tocada pela magia da arte e chamada pelos imperativos da vida " hoje regalo-me com os seus textos, amanhã comovo-me, depois cismo, e fico dias e dias ensimesmada, responsável pela " salvação da casa que, por arder, [me] [...] deslumbra os sentidos", e ganho força redobrada para " cortar as ondas sem desanimar" apesar de " A revolta imensidão / transforma [r] dia a dia a embarcação numa errante e alada sepultura...", porque " A honra é lutar sem esperança de vencer". E ganho coragem para continuar a não "contornar" o " muro" nem tentar" ultrapassá-lo de qualquer maneira", porque, nesta medida também toda a sua obra é exemplar.

REPOUSO

Esperança  também tão comoventemente exposta no conto " Repouso" onde o Joaquim Lomba que " quase não trabalhava" porque "ninguém o queria, nem a dias nem de empreitada." e que levava " uma existência negra[...]sozinho, sujo, coberto da sombra do medo e da desconfiança dalgumas léguas em redor"e " trazia estampada no rosto a ferocidade" que fazia correr " por todos um calafrio de pavor" , mas a quem " Mazombo, ensimesmado, a marca que sentia na cara dava [...] uma tristeza funda, de revolta esganada.” E em quem " Em certas horas, uma humanidade estuante, larga, generosa, que também nele morava, queria mostrar-se à luz do sol", sem que contudo lhe fosse dada qualquer oportunidade, pois " o primeiro a quem dava os bons dias cortava-lhe aquela onda fraternal em bocados"( como a fronteira entre a virtude e o defeito é afinal ténue!) e há aqui como que uma  génese do ódio, da raiva, naqueles a quem por vezes não resta  alternativa ao " vazio, um desespero sem remédio, um abandono maior do que o das pedras, prefigura[ndo-lhe][...] o inferno" . E também este é salvo pela corajosa inocência, pela bondade primordial representada pelo " garoto" "com nove anos " que defendia com "decisão" a sua " quimera" a cuja coragem o Joaquim Lomba se rendeu " comovido" murmurando " Chegou para mim" , contente por ser finalmente tratado como um igual...

Fronteira

Fronteira

A questão do dever e da fidelidade a princípios que , também de forma simplicíssima, é abordada em " Fronteira" onde o Robalo,  um" rapaz[ ...] do Minho , acostumado ao positivismo da sua terra" ,uma personagem que tão bem representa o  chamado " universal singular" , (o quase chavão usado a propósito de Miguel Torga que toda a gente, mesmo quem nunca leu uma linha sua, conhece), fica estupefacto porque a idiossincrasia de uma aldeia inteira entra em total contradição com a sua própria forma de estar e de pensar, herança  de tempos imemoriais, e que ele, por uma questão de princípio,  decide impor aos demais porque  " só ele marcha bem" . Por isso," Pelo ribeiro fora parecia um cão a guardar"e aqui, como no mundo do nosso dia a dia,quaisquer meios pareciam justificar os fins " Em quinze dias foram dois tiros no peito do Fagundes, um par de coronhadas no Albino, e ao Gaspar teve-o mesmo por um triz[...] a bala passou-lhe a menos de meio palmo das fontes." ( a paz  de todos, das sociedades, - ou de quem manda nas sociedades? - a justificar os crimes , as guerras..e lembro que este conto foi escrito e publicado em plena vigência do regime fascista!), e uma vez mais aqui Miguel Torga concede a salvação ao homem que vive na " fronteira" entre a civilização e a barbárie dando à civilização a vitória " porque o coração dos homens, por mais duro que seja, tem sempre um ponto fraco por onde lhe entra a ternura"

O Alma Grande visto por José Pedro teixeira

O Alma Grande

Aos leitores mais severos, aos que buscam na leitura a Verdade, os fundamentos do universo, as razões para o sofrimento, ou eco do seu próprio sofrimento, aos leitores com pretensões mais filosóficas que buscam, quiçá, Deus, a quem interessam textos profundos, complexos, que exijam reflexão, por vezes até, um certo compromisso, também Miguel Torga   chama  para o círculo dos seus fiéis seguidores .
 Por toda a sua obra poética, nos seus " Diários",( onde o " Poeta , prosador" encontra " descanso[ para] as [suas] [...] angústias" " na letra redonda") ou  nos seus contos, sob a aparência de histórias simples, que qualquer criança pode compreender, perpassam perfeitos tratados de cariz filosófico que nos despertam a consciência para questões profundas, como a da eutanásia, por exemplo, que , de forma arrepiante , nos é apresentada n' "O Alma Grande", aquele " pai da morte" " Alto, mal encarado, de nariz adunco"com " cara seca [de] [...] abafador " que " passava guia ao moribundo" com " a tenaz das suas mãos e o peso do seu joelho"." impávido e silencioso" ( sinistro!) e que " Saía com uma paz no rosto[...] igual à que tinha deixado ao morto." Ou a questão do dever( que tanto me atormenta!) e da fidelidade a princípios ( quais princípios? Como estabelecer uma hierarquia de importâncias? Quem escolher? - O indivíduo ou a sociedade? ...)( a velhíssima questão tão bem abordada por Shakespeare)

Pintura de Amanda Greavette

Madalena

Quem não compreende e não se comove até às lágrimas com o drama vivido por Madalena? - Essa personagem,  como tantas outras em Miguel Torga, cuja grandeza consiste em, nas palavras de Milan Kundera,  "carrega[r] [admiravelmente] com o seu destino como Atlas carregava aos ombros a abóbada dos céus". Essa personagem indefesa, qual gazela, vítima do frio e interesseiro predador indiferente ao seu sofrimento. E quem não conhece esta natureza, toda ela feita de predadores e de vítimas, representada de forma inteira por Miguel Torga, com as suas forças benignas tão caras aos seres humanos, e com as suas forças malignas tão incompreensíveis, por vezes, tão injustificadas? -Esta natureza de que Madalena é parte integrante , com a qual ainda não rompeu laços, porque se encontra ainda no mais perfeito estado de inocência, que lhe serve de única companhia e testemunha da sua grandeza interior,( no fim afinal não somos só nós e o universo infindo?... ), e que com ela resiste estoicamente aos golpes fatais do destino que lhe coube em sorte, é apresentada  em perfeita sintonia com o seu sofrimento para que se não  sinta tão negligenciada! Por isso, enquanto ela sofria violentamente com as " guinadas" provocadas pelas dores do parto e com a sede insuportável que o esforço desumano lhe causava "As urzes torciam-se [com ela] à beira do caminho, [ como ela] estorricadas" .Em simultâneo, sem dar tréguas ,(como a própria vida), paralelamente, implacável, " Queimava. O sol amarelo..." " Parecia que o saibro duro do chão lançava baforadas de lume".

 Não faltava, a este quadro de forças antagónicas, neste mundo onde tudo acontece ao mesmo tempo, inexoravelmente, o lado mesquinho, obscuro, da natureza (também humana), do carrasco, muitas vezes nascido da fraqueza da vítima , (tipo humano muito querido do autor e tão generosamente apresentado n' O leproso), representado por " uma giesta miudinha,  negra, torrada do calor [ que] cobria de tristeza rasteira o descampado" ( votado à mais absoluta solidão!)

Também não faltava o seu lado arbitrário, simplesmente traidor e frio, de serpente despeitada por ter nascido para rastejar, e " Debaixo dos pés o cascalho soltava risadas escarninhas". E assim, " Ao tormento do cansaço e à crueldade das guinadas traiçoeiras que a anavalhavam quando menos esperava, juntara-se uma sede funda, grossa, que a reduzia inteira a uma fornalha de lume". Aos outros leitores, também hedonistas, que procuram no texto a fruição, um tipo de prazer menos imediato, mais profundo, que procuram a beleza da forma, a riqueza das imagens, a harmonia das frases, a melodia das palavras, Miguel Torga agrada inequivocamente, pois " deslumbra-lhes os sentidos" como também era sua pretensão, através de imagens belas, onde todos os cinco sentidos são estimulados de forma  impressionante.

Escolhi, este, poderia ter escolhido muitos outros para ilustrar um dos quadros de natureza existencial que nos é magistralmente pintado por Miguel Torga. Nele, a solidão humana parece gritar-nos que " A vida humana começa do outro lado do desespero", para que tomemos consciência de que "estamos absolutamente por nossa conta, [de que] temos liberdade total para escolher a nossa vida em cada momento, (estará o autor também certo de "que somos finitos e nada nos espera no fim da linha"?) O que parece , sem dúvida,  certo é de que " é deste mesmo desespero que partimos para sermos livres e responsáveis pelas nossas escolhas e pela nossa vida".

Miguel Torga

Sobre a escrita de Miguel Torga

A obra de Miguel Torga não se trata, de facto, de “ uma mera celebração literária para iniciados, mas de um sincero esforço de comunhão universal.”

Depois de lido e relido, nas linhas e entrelinhas fica claramente provada uma das teorias em que gostava de acreditar de que “ a arte [deve ser - e a sua é-o -] o mais pura possível nos meios e o mais larga possível nos fins”.

Parto do pressuposto de que há diferentes tipos de leitor, a quem correspondem diferentes propósitos de leitura, e de que há leitores hedonistas a quem satisfazem textos simples, fáceis, desprovidos de artifícios, cujo conteúdo possa ser “ digerido” sem esforço, aos quais os textos de Miguel Torga parecem, por vezes, de forma enganosa, dirigir-se, exclusivamente, tal a aparente simplicidade que revelam.

É evidente que Miguel Torga – Contador de Histórias proporcionará momentos de prazer, eventualmente, comoção, a muitos desses leitores, porém, a esta simplicidade transparente, aparentemente superficial, da forma, que parece dizer tudo nas linhas e nada ter para transmitir nas entrelinhas, corresponde uma grande complexidade de sentidos. Socorrendo-me das palavras de Siza Vieira, que parece ter conquistado, na arquitectura, essa capacidade de tornar simplicíssimo na aparência, o que é extremamente complexo na essência, “ A naturalidade, a simplicidade, é uma conquista muito difícil e muito laboriosa…”.

Penso que o segredo do sucesso da obra de arte, estando na conjugação perfeita de vários factores, é certo, está, essencialmente, no facto de o artista ter conseguido exprimir da forma mais simples as ideias mais profundas. De " criar uma supra-realidade da realidade, onde todos os homens se encontrem, quer sejam intelectuais, quer não..." e este, que era afinal o seu intento, foi plenamente conseguido por Miguel Torga: - Serve-se, de forma exímia, do vocabulário diariamente usado pelos seu vizinhos iletrados, em articulação perfeita com recursos linguísticos sofisticadíssimos. Parecendo falar simplesmente a língua daqueles, combina-a na perfeição com a elegância artística da linguagem mais sofisticada. Faz uma selecção, de tal maneira cuidada, de expressões diaria, e distraidamente usadas pelo seu povo, que o resultado é da mais surpreendente espontaneidade - o seu espírito sensível e educado cria  autênticas pérolas de uma beleza extraordinária.

O Percurso do Primeiro Romance

O Percurso do Primeiro Romance

“ O percurso do Primeiro Romance” , assim se chama o livro de Jean Michel Barrault, que decidi ler porque o título me induziu em erro, serviu, entre outras coisas, para trazer ao consciente uma noção que já existia no meu subconsciente. Sempre tive uma enorme relutância em ler o que os livreiros expõem em primeiro plano, os livros da moda, aqueles que estão na boca de todo o mundo, que são mencionados por jornais e revistas, e cheguei a pensar que era pura mania minha.

A minha desconfiança relativamente à publicidade é tal, que sempre me afastei dos livros que ocupam demasiado espaço em lugares de destaque de demasiados espaços comerciais (só fui abrindo excepção para autores cuja qualidade reconheço porque conheço a sua obra). Daí este meu gosto pela troca de impressões: o maior estímulo que alguma vez tive para efectuar qualquer das minhas leituras, foi sempre a opinião ou o entusiasmo de alguém em cujo gosto confio mais do que no colorido de capas e escaparates.

Como dizia, este livro, cuja estrutura e estilo são, para mim, completamente novos, agradou-me bastante pela sua originalidade e pelo realismo do seu conteúdo, que numa linguagem por vezes muito elegante, outras muito precisa, quase sempre de uma ironia finíssima, expõe, inteligentemente, de forma romanceada, a hipocrisia em que está , actualmente, mergulhado o mundo da literatura; o mundo dos prémios e honrarias; o modo como são forjados alguns best-sellers; as circunstâncias em que alguns escritores são guindados à categoria de estrelas, ao passo que outros são absolutamente ignorados (não tendo esta eleição por base a qualidade dos seus escritos); o modo como funcionam os meandros da crítica literária (os clientelismos, as capelinhas mais ou menos influentes), os lobbies das editoras; o modo despudorado como os livreiros nos conduzem as leituras “ obrigando-nos” a consumir determinadas obras…Enfim , também a arte a sofrer do mal dos tempos, deste mundo economicista e interesseiro em que vivemos e o risco que o artista corre de se tornar um mercenário se se deixar “ seduzir pela palha dos estábulos dourados do mundo” e se não for “ afastando com jeito ou força, todos os obstáculos que se levantam( por exemplo , o [seu] sentido de apetência do cómodo” como tão bem disse Agostinho da Silva.

Mesmo considerando que é um livro muito situado no tempo, que será provavelmente esquecido para sempre dentro de alguns anos, penso que contém , mesmo assim , algumas questões intemporais (o romance  fala de si próprio, o escritor  fala do escritor, a própria linguagem  fala da linguagem, o criador  fala da criação). Gostei imenso!

Operário ´/Vinicius


O Operário em Construção por Mário Viegas

http://www.youtube.com/watch?v=GalQEYKriHU


Poema de Vivnicius de Moraes

Bertolt Brecht

Bertolt Brecht

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Líder ?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.


Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Líder.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.


Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

Paul Gauguin

Obra de arte

“(…)uma obra de arte produz em nós aquela peculiar euforia, essencial à experiência estética (…) descortinamos na sua fecundidade a miragem de uma vida mais ampla, uma promessa não concretizada de felicidade”

MARINA, José António, teoria da Inteligência Criadora

A Geração de Setenta

No século XIX era assim...

“Se alguma hora da história impôs aos que falam alto entre os povos obrigações de seriedade, de profunda abnegação, de sacrifício do eu às tristezas e misérias da humanidade, de trabalho e silencioso pensamento (…) é o nosso século. Refundem-se as  crenças antigas. Geram-se com esforço novas ideias. Desmoronam-se as velhas religiões. As instituições do passado abatem-se. O futuro não aparece ainda (…) há toda uma humanidade em dissolução, de que é preciso construir uma humanidade viva, sã, crente e formosa. Mas de onde sairiam os grandes homens para este grande trabalho? Das academias? Das arcádias? Das sinecuras opulentas? Dos chorrilhos de elogio mútuo? Sairiam as águias das capoeiras?

“Quisera só defender a liberdade e a dignidade de pensamento (…) Nunca literatura alguma teve a obrigação de ser elevada, grave, séria, desambiciosa, como a literatura deste povo decadente…”

CIDADE, Hernâni,  Antero de Quental, a questão coimbrã

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Obesidade mental

A Oesidade Mental




A Obesidade Mental - Andrew Oitke

 

Por João César das Neves - 26 de Fev 2010


O prof. Andrew Oitke publicou o seu polémico livro «Mental Obesity», que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna. «Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses.» Segundo o autor, «a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada.. Os cozinheiros desta magna "fast food" intelectual são os jornalistas e
comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema. Os telejornais e telenovelas são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.» O problema central está na família e na escola. «Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate.
Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas. Com uma «alimentação intelectual» tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.» Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado "Os Abutres", afirma: «O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.» O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polémico e chocante. «Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais.» Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura «O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades.
Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem tecto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto». As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras. «Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxal ou doentia. Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo. Não se trata de uma decadência, uma «idade das trevas» ou o fim da
civilização, como tantos apregoam. É só uma questão de obesidade. O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos. O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa sobretudo de dieta mental.»



CAMÕES

Silêncio

Silêncio

Silêncio

"Todo o silêncio é música em estado de gravidez"


COUTO, Mia

Todos diferentes, todos iguais




Racismo

"Ninguém é de uma raça (...) .As raças são fardas que vestimos(...) mas eu aprendi(...) que essa farda se cola, às vezes, à alma dos homens"


COUTO, MIA, Jesusalém

sexta-feira, 23 de março de 2012

Criatividade e Crise

Acreditamos, como Agostinho da Silva, que “o homem não nasceu para trabalhar mas para criar”. Acreditamos, para além disso, que não é por acaso que, de entre todos os animais, só o homem tem essa capacidade inventiva que lhe permite, de forma criativa, dominar, pelo menos em parte, a natureza, que lhe é igualmente adversa.

Pensamos que há, neste momento histórico, uma total subversão desta vocação. O trabalho, associado ao lucro, parece a única vertente da vida humana que vale a pena prosseguir. O nosso conceito de criatividade tem muito mais a ver com o conceito a ele associado de autonomia e liberdade do que a procura cega de novos objectos de utilidade discutível para impor aos inúmeros consumidores compulsivos.

Enquanto os animais vão adquirindo, ao longo de milhares e milhares de anos características físicas que lhes permitem resistir a predadores e condições ambientais, o facto de o homem não ter desenvolvido essa potencialidade de forma significativa, acrescido da terrível condição de ele ser predador de si próprio, faz dele um ser imensamente vulnerável, por isso possui dentro de si mecanismos próprios que o ajudam a enfrentar adversidades.

Assim, cada ser humano, único e irrepetível, foi dotado de uma capacidade única e irrepetível de responder aos problemas, também eles sempre diferentes, que se lhe vão colocando ao longo da vida. Seria, supostamente, na união de todas essas capacidades que a humanidade, como um todo, responderia a todas as dificuldades que tem de enfrentar enquanto espécie. O estilo de vida pós-industrial, no entanto, ao ter dado início a um processo vertiginoso de transformação da acção humana numa gigantesca linha de montagem, na qual a generalidade dos homens, anestesiados, não passam de simples parafusos da própria engrenagem, tem vindo a afastá-los da sua essência: a vontade de sonhar/criar. Parece que, subitamente, “Deus [já não] quer, o homem [já não] sonha e a obra [já não nasce]”.De repente achamo-nos órfãos, de regresso à nossa condição de recém-nascidos, rodeados de um punhado de predadores/ manipuladores que, a pretexto de uma pseudo-protecção do género humano, tomaram de assalto o nosso sonho, apoderando-se da nossa criatividade e colocando-a ao seu serviço. Hoje, já 300 anos depois, com uma gigantesca máquina de produzir não importa o quê, não importa como, não importa para quê, a dominar a nossa vida, perdemos de vista o significado da palavra criar e tornamo-nos todos predadores: de repente todos estamos propensos a consumir, não importa o quê, e, simultaneamente, presas indefesas de quem nos impinge o que quer que consumamos. Enormes contradições as deste século! Não cremos que a criatividade que nos faz falta, agora, seja aquela que fazia falta há quinhentos anos, quando os meios de produção e o conhecimento não garantiam, ainda, a subsistência de todos. As próteses criadas pelo homem até ao momento já lhe permitem dar resposta cabal a esse problema, assim ele o queira. Para ser verdadeiramente humana, nessa realização só falta fazê-la chegar a todos os homens, a todos os cantos do mundo. Faz-nos falta outro tipo de criatividade: a capacidade de questionar a realidade, de pensar pela própria cabeça, de se deixar conduzir autonomamente por um sonho único e irrepetível, que associado a todos os sonhos únicos e irrepetíveis nos torne cada vez mais humanos, afastando-nos cada vez mais do instinto predatório!

Não é esse, porém, o conceito “politicamente correcto” de criatividade. Temos a firme convicção de que o que faz falta neste momento é aproveitar todos os meios que têm sido colocados à nossa disposição e usá-los com criatividade, ao serviço do bem comum, já que foi esse sonho de bem comum que nos trouxe até aqui. Foi esse desejo de bem comum que esteve na origem da Magna Carta, da Revolução Francesa, da Revolução Americana, da ONU, da UNICEF, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de tudo o que de incontestável se conquistou e se está em vias de perder porque nos arrebanharam para uma causa que não é a nossa. Não é de mais sapatos, de mais roupa, de mais carros, de mais computadores, de mais fast food, de mais móveis, de mais objectos que precisamos. Temos, de facto, falta de criatividade porque, em vez de resolvermos, a denominada crise económica, como é suposto resolver qualquer crise, isto é, como uma oportunidade de “separar o trigo do joio”, deixámos de ter capacidade de pensar razões e soluções plausíveis para uma oportunidade de crescimento humano. E não há crises com um espectro tão vasto que o possam ser apenas económicas. A falta de criatividade, por falta de autonomia, na era da manipulação mediática e mediatizada, é, fundamentalmente, visível no modo normalizado como todos pensam a entediante crise, de como todos pensam nas mesmas soluções gastas e que para ela contribuíram: o  excesso de consumo e a falta ,generalizada e induzida, de espírito crítico.

Como a natureza e os seus mecanismos intrínsecos de reequilibração são mais sábios do que qualquer plano humano, paradoxalmente, a drenagem dos cérebros daqueles que poderiam resolver a crise económica, vai, sem que aqueles se apercebam, ser o factor de alargamento dos benefícios conquistados a todas as partes desfavorecidas do mundo por onde se têm espalhado por razões predatórias, sem que haja da parte da maioria alguma intenção solidária desinteressada, o que não deixa de ser curioso. Quer os homens queiram, quer não, as conquistas justas de alguns acabam, inevitavelmente, por se estender a todos, tal como seria de esperar de uma espécie animal onde cada um tem um papel preponderante no todo, ainda que seja inconsciente. É a criatividade, como necessidade, como pulsão de sobrevivência, que está a empurrar os jovens para os países que necessitam da sua presença para crescerem. Quanto à dívida pública à qual nós,  os que cá ficam, a maioria dos comuns dos mortais, somos alheios e somos obrigados a pagar, talvez devêssemos arranjar uma forma criativa de responsabilizar os verdadeiros  culpados, estudando exaustivamente a forma como foi contraída e por quem, e o modo como foram geridos os impostos que pagámos, e obrigar os culpados a pagá-la.




terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Tanto de meu estado me acho incerto





Tanto de meu estado me acho incerto,

Que em vivo ardor tremendo estou de frio;

Sem causa, juntamente choro e rio;

O mundo todo abarco e nada aperto.



É tudo quanto sinto um desconcerto;

Da alma um fogo me sai, da vista um rio;

Agora espero, agora desconfio,

Agora desvario, agora acerto.



Estando em terra, chego ao Céu voando;

Nu~a hora acho mil anos, e é de jeito

Que em mil anos não posso achar u~a hora.



Se me pergunta alguém porque assim ando,

Respondo que não sei; porém suspeito

Que só porque vos vi, minha Senhora.



Luís de Camões
Busque Amor novas artes, novo engenho






Busque Amor novas artes, novo engenho

Pera matar-me, e novas esquivanças,

Que não pode tirar-me as esperanças,

Que mal me tirará o que eu não tenho.



Olhai de que esperanças me mantenho!

Vede que perigosas seguranças!

Que não temo contrastes nem mudanças,

Andando em bravo mar, perdido o lenho.



Mas, enquanto não pode haver desgosto

Onde esperança falta, lá me esconde

Amor um mal, que mata e não se vê,



Que dias há que na alma me tem posto

Um não sei quê, que nasce não sei onde,

Vem não sei como e dói não sei porquê.



Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver





Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer;



É um não querer mais que bem querer;

É solitário andar por entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É cuidar que se ganha em se perder;



É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata lealdade.



Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?



Luís de Camões
Poema LXVI




NO TE QUIERO sino porque te quiero

y de quererte a no quererte llego

y de esperarte cuando no te espero

pasa mi corazón del frío al fuego.



Te quiero sólo porque a ti te quiero,

te odio sin fin, y odiándote te ruego,

y la medida de mi amor viajero

es no verte y amarte como un ciego.



Tal vez consumirá la luz de enero,

su rayo cruel, mi corazón entero,

robándome la llave del sosiego.



En esta historia sólo yo me muero

y moriré de amor porque te quiero,

porque te quiero, amor, a sangre y fuego.



Pablo Neruda
ME gustas cuando callas porque estás como ausente,


y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.

Parece que los ojos se te hubieran volado

y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma

emerges de las cosas, llena del alma mía.

Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,

y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.

Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.

Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:

déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio

claro como una lámpara, simple como un anillo.

Eres como la noche, callada y constelada.

Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.

Distante y dolorosa como si hubieras muerto.

Una palabra entonces, una sonrisa bastan.

Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Pablo Neruda
LOVE


by: Samuel Taylor Coleridge (1772-1834)


ALL thoughts, all passions, all delights,

Whatever stirs this mortal frame,

All are but ministers of Love,

And feed his sacred flame.



Oft in my waking dreams do I

Live o'er again that happy hour,

When midway on the mount I lay,

Beside the ruin'd tower.



The moonshine, stealing o'er the scene,

Had blended with the lights of eve;

And she was there, my hope, my joy,

My own dear Genevieve!



(...)

S. VALENTIM

Annabel Lee




It was many and many a year ago,

In a kingdom by the sea,

That a maiden there lived whom you may know

By the name of ANNABEL LEE;

And this maiden she lived with no other thought

Than to love and be loved by me.



I was a child and she was a child,

In this kingdom by the sea;

But we loved with a love that was more than love-

I and my Annabel Lee;

With a love that the winged seraphs of heaven

Coveted her and me.



And this was the reason that, long ago,

In this kingdom by the sea,

A wind blew out of a cloud, chilling

My beautiful Annabel Lee;

So that her highborn kinsman came

And bore her away from me,

To shut her up in a sepulchre

In this kingdom by the sea.



The angels, not half so happy in heaven,

Went envying her and me-

Yes!- that was the reason (as all men know,

In this kingdom by the sea)

That the wind came out of the cloud by night,

Chilling and killing my Annabel Lee.



But our love it was stronger by far than the love

Of those who were older than we-

Of many far wiser than we-

And neither the angels in heaven above,

Nor the demons down under the sea,

Can ever dissever my soul from the soul

Of the beautiful Annabel Lee.



For the moon never beams without bringing me dreams

Of the beautiful Annabel Lee;

And the stars never rise but I feel the bright eyes

Of the beautiful Annabel Lee;

And so, all the night-tide, I lie down by the side

Of my darling- my darling- my life and my bride,

In the sepulchre there by the sea,

In her tomb by the sounding sea.





Edgar Allan Poe

DIA DE S. VALENTIM