quarta-feira, 4 de abril de 2012

Madalena

Quem não compreende e não se comove até às lágrimas com o drama vivido por Madalena? - Essa personagem,  como tantas outras em Miguel Torga, cuja grandeza consiste em, nas palavras de Milan Kundera,  "carrega[r] [admiravelmente] com o seu destino como Atlas carregava aos ombros a abóbada dos céus". Essa personagem indefesa, qual gazela, vítima do frio e interesseiro predador indiferente ao seu sofrimento. E quem não conhece esta natureza, toda ela feita de predadores e de vítimas, representada de forma inteira por Miguel Torga, com as suas forças benignas tão caras aos seres humanos, e com as suas forças malignas tão incompreensíveis, por vezes, tão injustificadas? -Esta natureza de que Madalena é parte integrante , com a qual ainda não rompeu laços, porque se encontra ainda no mais perfeito estado de inocência, que lhe serve de única companhia e testemunha da sua grandeza interior,( no fim afinal não somos só nós e o universo infindo?... ), e que com ela resiste estoicamente aos golpes fatais do destino que lhe coube em sorte, é apresentada  em perfeita sintonia com o seu sofrimento para que se não  sinta tão negligenciada! Por isso, enquanto ela sofria violentamente com as " guinadas" provocadas pelas dores do parto e com a sede insuportável que o esforço desumano lhe causava "As urzes torciam-se [com ela] à beira do caminho, [ como ela] estorricadas" .Em simultâneo, sem dar tréguas ,(como a própria vida), paralelamente, implacável, " Queimava. O sol amarelo..." " Parecia que o saibro duro do chão lançava baforadas de lume".

 Não faltava, a este quadro de forças antagónicas, neste mundo onde tudo acontece ao mesmo tempo, inexoravelmente, o lado mesquinho, obscuro, da natureza (também humana), do carrasco, muitas vezes nascido da fraqueza da vítima , (tipo humano muito querido do autor e tão generosamente apresentado n' O leproso), representado por " uma giesta miudinha,  negra, torrada do calor [ que] cobria de tristeza rasteira o descampado" ( votado à mais absoluta solidão!)

Também não faltava o seu lado arbitrário, simplesmente traidor e frio, de serpente despeitada por ter nascido para rastejar, e " Debaixo dos pés o cascalho soltava risadas escarninhas". E assim, " Ao tormento do cansaço e à crueldade das guinadas traiçoeiras que a anavalhavam quando menos esperava, juntara-se uma sede funda, grossa, que a reduzia inteira a uma fornalha de lume". Aos outros leitores, também hedonistas, que procuram no texto a fruição, um tipo de prazer menos imediato, mais profundo, que procuram a beleza da forma, a riqueza das imagens, a harmonia das frases, a melodia das palavras, Miguel Torga agrada inequivocamente, pois " deslumbra-lhes os sentidos" como também era sua pretensão, através de imagens belas, onde todos os cinco sentidos são estimulados de forma  impressionante.

Escolhi, este, poderia ter escolhido muitos outros para ilustrar um dos quadros de natureza existencial que nos é magistralmente pintado por Miguel Torga. Nele, a solidão humana parece gritar-nos que " A vida humana começa do outro lado do desespero", para que tomemos consciência de que "estamos absolutamente por nossa conta, [de que] temos liberdade total para escolher a nossa vida em cada momento, (estará o autor também certo de "que somos finitos e nada nos espera no fim da linha"?) O que parece , sem dúvida,  certo é de que " é deste mesmo desespero que partimos para sermos livres e responsáveis pelas nossas escolhas e pela nossa vida".

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