quinta-feira, 28 de maio de 2015


"A vida é uma criança que é preciso embalar até que adormeça."
Voltaire

"Apesar das ruínas e da morte, onde sempre acabou cada ilusão, a força dos meus sonhos é tão forte, que de tudo renasce a exaltação, e nunca minhas mãos ficam vazias."

Contos exemplares 
Sophia De Mello Breyner

"A janela: não é onde a casa sonha ser mundo?"
Mia Couto

Ainda, e sempre, contra o AO

Eles não sabem que o sonho
 É uma constante da vida
 Tão concreta e definida
 Como outra coisa qualquer
António Gedeão
“Ambicionamos falar a língua dos sonhos e só ganhamos individualidade quando aprendemos a falar a língua de todos os homens, a língua dos sonhos”.
Mia Couto

Cinco anos depois da imposição do malfadado Acordo Ortográfico, contra a crescente onda de acomodados, todos os pensadores, escritores e artistas vivos que respeito continuam a resistir estoicamente, recusando o efeito perverso da lavagem de alma provocada pela transformação das palavras que nos ajudaram a crescer, de objectos íntimos, nossos, em objectos estranhos.
Aquela velha ligação afectiva e a forma como se acomodaram a generalidade dos portugueses, subtilmente conduzidos pelos computadores pessoais que, sem que lhes tivessem dado ordem os seus donos, começaram, como que por milagre, a ostentar correcções às palavras que sempre haviam conhecido, está expressa, de forma jocosamente séria num texto que circulou pela internet, cujo autor infelizmente desconheço, mas gostaria de conhecer:
“Quando eu escrevo a palavra acção, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o C na pretensão de me ensinar a nova grafia.
De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa.
Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim.
São muitos anos de convívio.
Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes CCC's e PPP's me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância.
Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora:  - não te esqueças de mim!
Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí.
E, com a ajuda (interesseira) do computador pessoal, dos meios de comunicação, de um sem número de textos subtilmente colocados debaixo dos nossos olhos, lá fomos nós, quais obedientes carneiros encaminhados para o redil, mudando a nossa forma de escrever e de pensar (na verdade, há quanto tempo não pensamos senão em dinheiro e em trabalho?)
Até um homem assumidamente de direita (um dos nossos poucos grandes mestres), Adriano Moreira, afirmou que "A língua não obedece a tratados. (…) Estamos todos atentos à língua, mas não pensamos dar ordens à língua.”
 “ Tanto a virtude como o vício estão em nosso poder. (…)de maneira que,  se está em nosso poder agir quando é belo fazê-lo, estará em nosso poder não agir quando é vergonhoso” disse  Aristóteles na sua Ética a Nicómano. E a obediência cega a este (des)acordo envergonha-me.
Mesmo assim, cuidei de saber as razões dos seus defensores, desde o início. Constatei que os seus argumentos eram tão frágeis, diria, até, forjados, que nenhum me convenceu.
O mais badalado de todos, o facto de ter havido outros acordos antes, é de uma tal fragilidade que cai por terra ao primeiro sopro: Também houve escravos antes, e pena de morte antes, e muitas outras coisas antes (que ferem, hoje, a sensibilidade do mais cruel energúmeno), e nem por isso as repetimos. O mundo caminha para a frente e para cima, nunca para trás e para baixo. Os níveis de consciência estão, hoje, a anos –luz de distância das mentalidades de 1911 e de 1945. Hoje preserva-se o património. Hoje respeita-se a diferença e ama-se a diversidade. Hoje, os homens são iguais em direitos e gozam do direito à diferença…
O respeito que me merecem os dissidentes e a falta de respeito que nutro pelos decisores são de tal ordem, que nasceu em mim um preconceito: já meço a sensibilidade dos meus interlocutores pelo modo como se situam face ao Acordo Ortográfico. Dou comigo a respeitar, sem conhecer, todo aquele que se manifeste publicamente contra o acordo, ou que simplesmente o não respeite, e dou comigo a desconfiar de quem o aceita acriticamente.
“Uma língua é um organismo vivo e, segundo o seu contexto social, geográfico, histórico, demográfico, económico, geopolítico, transforma-se imprevisivelmente(…) [em]casos extremos, geniais, que subvertem a língua ao ponto de inventarem novas sintaxes dentro da sintaxe habitual, o espaço virtual de liberdade interna da língua(…) solta [-se] e ousa, Então descobre-se a maravilha de ser possível (…)um insuspeitável sentido das coisas, um outro pensamento.” Diz José Gil.
Mas a massa prefere não pensar. De que lhe serve “um outro pensamento”, para além do expressamente cozinhado para si, nestes tempos em que é rainha a normalização?
O conforto passou a ser o Deus de todos nós. As noções de honradez e de dignidade humana foram adaptadas às conveniências de cada um, para seu conforto.
Até o Verbo se esvaziou.
 A designada “agenda oculta” segue o seu curso em paz.

Jovens desalentados face à nossa “sensatez cansada” escolhem a alienação de um mundo esvaziado de conteúdo e de alma, oco, sem perspectivas, sem Deuses e sem causas.

O que diz Saramago das mulheres

As Mulheres São Mais Fortes

Para começar, gosto das mulheres. Acho que elas são mais fortes, mais sensíveis e que têm mais bom senso que os homens. Nem todas as mulheres do mundo são assim, mas digamos que é mais fácil encontrar qualidades humanas nelas do que no género masculino. Todos os poderes políticos, económicos, militares são assunto de homens. Durante séculos, a mulher teve de pedir autorização ao seu marido ou ao seu pai para fazer fosse o que fosse. Como é que pudemos viver assim tanto tempo condenando metade da humanidade à subordinação e à humilhação?


José Saramago, in 'L'Orient le Jour (2007)'

Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos, sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir

José Saramago



Trilogia

Os três textos acabados de publicar, apesar de versarem temas distintos, fazem parte de um todo. A referência repetida ao “monstro”, ao “Admirável Mundo Novo” e ao “secretariado da existência” é deliberada.

Último apelo... à leitura!

“Ouve, meu filho, disse o demónio pondo-me a mão na cabeça…” Edgar Allen Poe

Desde que nasceu a famigerada Sociedade de Consumo e, com ela, as Massas, por definição acríticas e acéfalas, todos nos tornámos simples veículos de bens transaccionáveis. Já quase nada na nossa vida escapa ao apertado cerco da compra e da venda.
Hoje, sabe-se que a emergência destas circunstâncias não foi espontânea, muito menos inocente.
À medida que fomos fazendo o caminho do chamado progresso, asfixiado pelo turbilhão de falsas necessidades em que nos afogou, e cujo significado fomos, entretanto, perdendo de vista, em vez de termos construído a nossa liberdade, sonho primeiro e último da humanidade, condição essencial para a felicidade, sem darmos por isso, fomo-nos tornando num lamentável tipo de escravos que até a consciência da sua servidão perderam algures no tempo. Na verdade, atafulhado de informação, desinformação, coisas e obrigações, o nosso corpo passou a ocupar demasiado espaço: fomos vítimas de um processo lento, mas inexorável, de esvaziamento da alma, fomos privados da capacidade de pensar; deixámos de distinguir necessidade de capricho; deixámos de ter disponibilidade para fazer exames de consciência, para repensar as nossas atitudes e as nossas vidas, para nos elevarmos à qualidade de Humanos. A frase de Fernando Pessoa, que todos repetem e sobre a qual não reflectem, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” perdeu, aparentemente, o seu conteúdo, no meio do amontoado de bens transacionáveis, tendo-se tornado ela própria um deles. Pelo modo como se acomoda a generalidade das pessoas a todas as invasões e imposições racionais e irracionais de que são alvo, parece que já nada vale a pena, nem mesmo lutar e resistir. O facto de o “Monstro” ter deixado de ter forma e sobretudo ter deixado de ter rosto, desmobilizou a procura e responsabilização do culpado. E, pior de tudo, sem darmos por isso, cada vez mais sós, vamos transmitindo a nossa “sensatez cansada” aos nossos descendentes.
A alma, de facto, encolheu, até à asfixia. Entre o trabalho e as responsabilidades familiares, o turbilhão de necessidades, de vícios, de objectos, de notícias, de leis, de obrigações, que tornam “ O secretariado da [nossa] existência” um verdadeiro pesadelo, ficamos sem tempo nem energia para resistir. Daí que aceitemos que nos entrem em casa, sob diversos disfarces, nos regulem todos os comportamentos, nos imponham regras irracionais, em suma: façam de nós “gato sapato”.
Tornámo-nos os autómatos para cujo perigo havíamos sido alertados pela literatura.
Nas suas Cartas a Lucílio, Séneca disse“ Não temos de nos preocupar com viver muitos anos, mas vivê-los satisfatoriamente; porque viver muito tempo depende do destino; viver satisfatoriamente dependa da tua alma. A vida é grande quando é cheia e torna-se cheia quando a alma recuperou a posse do seu bem próprio e transferiu para si o domínio de si próprio”.  Há muito tempo que deixámos de ser donos de nós próprios. O vazio que sentimos, a multiplicação das depressões, não advém da crise, como acreditamos, mas deste vazio de alma.
 “ O admirável Mundo Novo” já se desenha, sem que nos apercebamos.
Entretanto, os livros, repositórios da beleza e sabedoria milenares e monumentais que construíram os nossos avós, legado hoje mais precioso do que nunca (neste tempo sem referências, nem raízes), caminham para a extinção, juntamente com a nossa alma, e vão acabar, reciclados, em grandes camiões TIR, ou grandes navios da marinha mercante, ou em porões de gigantescos aviões de transporte de carga, transformados em caixas de cartão, sob o nosso olhar vazio, reflexo da nossa alma esvaziada de sonho.
Savater afirma, no seu famoso livro Ética para um Jovem: “dos seres humanos exige-se umas vezes resignação e outras vezes rebeldia, umas vezes iniciativa e outras vezes obediência, umas vezes generosidade e outras vezes previsão do futuro etc…” . A grande tragédia do nosso tempo está intimamente relacionada com esta última exigência ao ser humano: a de prever o futuro. A velocidade a que se vive, hoje, não facilita esta previsão, mas o que mais a dificulta é a ausência do silêncio indispensável à reflexão, à busca de soluções dentro de si próprio e a perda do hábito cooperativo da procura conjunta. Todos, estamos meio anestesiados (alienados!) à espera de D. Sebastião. Todos somos responsáveis por inúmeros cataclismos (de ordem ecológica, social e cultural) e , a maioria de nós, nem sequer o sabe. Poderá, porém, a ignorância justificar um crime?




Mais um grito de protesto contra o AO

ão somos apenas usuários da língua, somos seus autores”
Mia Couto
Inventaram uma nova linguagem para nos despojarem da nossa. O Verbo, o Sopro Divino que alimenta o espírito, deixou de ser sagrado e passou a ser um objecto de comércio.
O aparecimento súbito das palavras esqueléticas apanhou-me desprevenida. Chocou-me de tal modo que fiquei de sobreaviso. Não conseguia exprimir a revolta que as palavras truncadas, travestidas, nuas, vazias, me suscitavam …Não queria acreditar que tivessem prosseguido com o massacre anunciado! Quando, porém, lenta e inexoravelmente, as alienígenas, desoladas “coisas” começaram a esborrachar-se-me, diariamente, como socos, contra a retina, em avisos, em actas, em títulos de jornais, em rodapés, em legendas…cresceu em mim uma sensação de mágoa, de perda…
Apesar de vivermos num tempo em que parecem ter desaparecido da face da terra os mestres (creio que estão recolhidos, preservados do perigo de andarem entre os homens e ficarem menos homens), o ser comum parece estar sempre à espera que alguém resolva, por ele, os seus próprios problemas, por um lado. Por outro, a ignorância generalizada permite que charlatões se façam passar por mestres.
 Procurei abrigo nos mestres. Verifiquei que, também eles, se sentiam agredidos. Percebi que se haviam associado para apresentar, aos dirigentes da nação, um Manifesto Contra o Acordo Ortográfico, sob a forma de petição e que, apesar de esta ter sido entregue, acompanhada de 32000 assinaturas, de ter sido apreciada pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, que recomendou que as preocupações dos peticionários fossem tidas em conta, nunca esta recomendação levou à alteração de uma vírgula, sequer. A falta de respeito pelos guardiões do património linguístico nacional: os escritores, os poetas, os pensadores portugueses mais respeitados no país e no mundo .Eduardo Lourenço, Vasco Graça Moura e Vítor Manuel Aguiar e Silva, entre muitos outros- deixou-me perplexa! Monumentos da nossa cultura, reconhecidos por todos e ignorados pelos que “ não são dignos de lhes apertar as correias dos sapatos”!
O apagamento dos vestígios etimológicos nas palavras, a passagem de uma borracha sobre a sua história, tem sobre mim o mesmo efeito que a substituição dos caminhos e dos campos da minha infância por estradas largas, alcatroadas e prédios feios e despropositados. Já não encontro lá vestígio algum de mim própria. Com a minha língua começa a acontecer o mesmo. Não me reconheço nela.
Num tempo em que as palavras de ordem são “diversidade”, “defesa e preservação do património”; num tempo em que o conhecimento nos trouxe a noção de língua como organismo vivo, que, como tal, traz em si própria a génese da mudança, mudá-la por decreto, não é compreensível. Dizer que já houve mudanças forjadas, antes, não apazigua a minha revolta. Também se cometeram inúmeros outros crimes contra a humanidade antes, o que não justifica  a sua repetição, hoje.
Mia Couto, que, como Pessoa, estabeleceu com a língua que todos partilhamos, uma relação de intimidade única e que, com roupagens nunca vistas, a vestiu para melhor poder expressar a sua alma, (nem por isso deixamos de a reconhecer e de nos identificarmos com ela), afirmou num dos encontros “Correntes D’Escritas” que “Precisamos de uma escola que nos liberte da dimensão funcional da palavra, para que sejamos inventores da língua e viajantes do sonho”. Questionado sobre a particularidade que nos permite identificar grande parte dos seus textos- a reinvenção sistemática de palavras- e sobre se “cada homem é uma língua”, uma paráfrase do titulo de um dos seus livros, respondeu: que cada homem "deve ser uma nação bilingue", tendo uma língua para os aspectos funcionais da vida e outra para "lidar com o incapturável" e afirmando que "quanto mais manipularmos a língua, menos manipuláveis seremos".
Creio que é aqui que reside a grande questão do AO: temos de perder a nossa capacidade única de nos reinventarmos, sonhando. É a dimensão funcional, de preferência, sem réstea de laços afectivos, que importa agora impor, até que a língua se transforme num mero instrumento utilitário, como um garfo, um sabonete ou um lavatório.
José Gil, um dos maiores filósofos da actualidade, cuja opinião também tem sido desprezada pelos que deveriam servi-lo, considera “o Acordo Ortográfico  repressivo e destruidor”,  “néscio e grosseiro” porque “ afecta não só a forma da língua portuguesa como o nosso pensamento”. Já dominam totalmente a nossa vida. Resta o domínio da nossa forma de pensar. Com esta língua rochosa, desconhecida e “empobrecida” será cada vez mais fácil “ a suave lavagem de cérebro” pretendida.
Aos meus olhos não se trata de arbitrariedade mas de um propósito a acrescer a tantos outros: ajudar o processo, em curso, de idiotização das massas, a produzir o efeito desejado. Há programas de televisão, revistas, jornais, anúncios, políticas, e uma panóplia de outras coisas, que têm na sua “agenda oculta” um plano definido de garantir que esta idiotização em massa esteja assegurada, a longo prazo.
Este processo tem sido, massivo e avassalador!
Resta um punhado de visionários, a pregar no deserto, por falta de ouvidos capazes de ouvir e de olhos capazes de ver…

Savater, um filósofo espanhol que se dirige frequentemente aos jovens, afirma na sua Ética para um Jovem: “Sou de opinião (…) de que quando se trata uma pessoa como se fosse idiota, é muito provável que, se ela não o for já, depressa acabe por sê-lo.”
De orelhas descaídas, cabeça baixa, chapéu na mão, deixámos descaracterizar a nossa língua como já tínhamos deixado descaracterizar a nossa cultura e a nossa vida.
 A nova organização mundial não comporta cidadãos pensantes.

Benvindos ao limiar do “Admirável Mundo Novo”!

Por este andar, um dia compraremos ar

The white man knows how to make everything, but he does not know how to distribute it.
Sitting Bull*
If we do not own the freshness of the air and the sparkle of the water, how can you buy them? Every part of this earth is sacred to my people.
Chief Seattle*
Sou uma optimista inveterada- acredito que a humanidade sempre caminhou para a frente e para melhor, e que esta continua a ser uma verdade incontestável. No entanto, também sou realista e pragmática e conheço a tentação totalitária do homem-predador-do-homem, que tem, hoje, à sua disposição, mecanismos de poder sofisticadíssimos, nunca, dantes, existentes. Por isso, sei que, à velocidade a que a vida se processa nos nossos dias, tendo em conta as dependências a que o homem se deixou entregar, e, pior de tudo, tendo em conta os oceanos de informação que desmobilizam qualquer oportunidade de formação, não tarda, acordaremos com mais uma obrigatoriedade à qual não conseguiremos escapar, como as já dezenas delas, a acrescer ao nosso penoso “secretariado da existência”.
-“A partir de hoje, todos os cidadãos deverão pagar diariamente o ar que respiram!” será o teor da nota que nos será enviada pelas autoridades em nome dos cidadãos Alfa-mais-mais, se, entretanto, desistirmos, definitivamente, do mais importante dever de entre os nossos deveres de cidadania: o de estar atentos a esses predadores, saber que o mal é muito mais persistente do que o bem, e ser tão persistentes na luta contra ele, que não fique espaço para que ele vença. Sempre assim foi e sempre assim será. Esta é a natureza humana, que não modificaremos, mas podemos controlar.
Em pouquíssimo tempo (não me considero muito velha, e lembro-me muito bem) a água passou de límpida, transparente, cristalina, livre, corredia e cantante, a um líquido viscoso, escuro, muitas vezes mal cheiroso, aprisionada, pela ganância do homem-predador-do-homem, em lodaçais inquinados, pestilentos, insalubres. Daqui, transitou, por necessidade, para prisões canalizadas para ser tratada e devolvida à mãe terra sua dona e senhora, sem custos para os seus habitantes. Pouco tempo depois, o homem-predador-do-homem descobriu que poderia ter ali, à mão de semear, uma fonte de rendimento sem necessidade de esforço. Não tardou que todos nos víssemos obrigados, da noite para o dia, a pagar a água de que é feito 75% do nosso corpo. E nós achámos normal. Com a cabeça atulhada de desinformação, facilmente nos encaminharam, dóceis como nos tornámos, para os milhões de toneladas de plásticos descartáveis que estão a co-asfixiar o globo, que é nosso e de todos aqueles que se acumulam em volta de um poço moribundo, em outro lado do planeta.
Neste nosso admirável mundo novo onde impera o reflexo condicionado de há muito conhecido nos cães (de Pavlov), todos, aterrorizados com vírus, bactérias, fungos e outros sustos capazes de provocar suores nocturnos, fomos, docilmente, substituindo a água da torneira, entretanto obrigatoriamente tratada, por leis feitas por homens bons, por água rigorosamente igual, por vezes de inferior qualidade, engarrafada e paga a peso de ouro!
O negócio da china inicial progrediu para um negócio verdadeiramente imperial.
O homem-predador-do-homem, como é sabido, com instrumentos de domínio cada vez mais subtis e sofisticados, sabe, exactamente, o que é preciso fazer para se apossar desse tesouro sem preço, como o ar que respiramos e o sangue que nos corre nas veias.
Não é de estranhar que por detrás desta pretensão monstruosa estejam candidatos já antes encontrados por detrás de outras pretensões monstruosas: daqueles que têm lucros monstruosos quando todos os outros sofrem perdas brutais. Os monstros sem rosto e sem corpo que comandam, hoje, as nossas vidas, do espaço ou de um lugar tão recôndito que é inacessível ao comum dos mortais, ou então que se move, disfarçado de homem bom entre os outros homens.


·        Famosos chefes índios da história da conquista do Oeste pelos Americanos