quarta-feira, 4 de abril de 2012

Sobre a escrita de Miguel Torga

A obra de Miguel Torga não se trata, de facto, de “ uma mera celebração literária para iniciados, mas de um sincero esforço de comunhão universal.”

Depois de lido e relido, nas linhas e entrelinhas fica claramente provada uma das teorias em que gostava de acreditar de que “ a arte [deve ser - e a sua é-o -] o mais pura possível nos meios e o mais larga possível nos fins”.

Parto do pressuposto de que há diferentes tipos de leitor, a quem correspondem diferentes propósitos de leitura, e de que há leitores hedonistas a quem satisfazem textos simples, fáceis, desprovidos de artifícios, cujo conteúdo possa ser “ digerido” sem esforço, aos quais os textos de Miguel Torga parecem, por vezes, de forma enganosa, dirigir-se, exclusivamente, tal a aparente simplicidade que revelam.

É evidente que Miguel Torga – Contador de Histórias proporcionará momentos de prazer, eventualmente, comoção, a muitos desses leitores, porém, a esta simplicidade transparente, aparentemente superficial, da forma, que parece dizer tudo nas linhas e nada ter para transmitir nas entrelinhas, corresponde uma grande complexidade de sentidos. Socorrendo-me das palavras de Siza Vieira, que parece ter conquistado, na arquitectura, essa capacidade de tornar simplicíssimo na aparência, o que é extremamente complexo na essência, “ A naturalidade, a simplicidade, é uma conquista muito difícil e muito laboriosa…”.

Penso que o segredo do sucesso da obra de arte, estando na conjugação perfeita de vários factores, é certo, está, essencialmente, no facto de o artista ter conseguido exprimir da forma mais simples as ideias mais profundas. De " criar uma supra-realidade da realidade, onde todos os homens se encontrem, quer sejam intelectuais, quer não..." e este, que era afinal o seu intento, foi plenamente conseguido por Miguel Torga: - Serve-se, de forma exímia, do vocabulário diariamente usado pelos seu vizinhos iletrados, em articulação perfeita com recursos linguísticos sofisticadíssimos. Parecendo falar simplesmente a língua daqueles, combina-a na perfeição com a elegância artística da linguagem mais sofisticada. Faz uma selecção, de tal maneira cuidada, de expressões diaria, e distraidamente usadas pelo seu povo, que o resultado é da mais surpreendente espontaneidade - o seu espírito sensível e educado cria  autênticas pérolas de uma beleza extraordinária.

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