terça-feira, 20 de novembro de 2012

Entrevista a Isabel Allende


CL - Nessa partilha da sua vida com o leitor o que sente receber (em troca)?

IA - A vida é desordenada e confusa. Vivemos angustiados, sem tempo para reflectir sobre os acontecimentos. Ao escrever ordeno o caos da realidade – por isso tenho necessidade de escrever sobre o meu próprio acontecer. Mas não lhe sei dizer o que ganho com essa revelação da minha vida, já que não planeio a escrita em termos de ganho ou perda. Tenho simplesmente uma imperiosa necessidade de compartilhar histórias com os leitores. Não escrevo para mim, escrevo para comunicar.

CL - É ainda muito generosa, ao longo do livro, no descrever do seu processo de escrita. Fala nas horas e horas de trabalho, na investigação, estudo, no que sofre com os temas. Não teme que o encanto se quebre? Ou é intencional essa revelação da “oficina” da escrita e da imaginação?

IA – Descrevo a verdade. Para escrever preciso de imaginação, mas preciso, sobretudo, de disciplina. Ao contar os meus “segredos” espero que outros escritores, ou aspirantes a escritores, compreendam que não existem truques de magia na literatura – apenas trabalho e mais trabalho.

Não teme, não recua.
A sua verdadeira história de amor.


CL - Porquê um livro de memórias, porquê voltar, passados mais de dez anos, a um diálogo com Paula, a sua filha?

IA – Muitas coisas aconteceram na minha família nos últimos anos, e para mim é importante escrever sobre tudo isso, para que o esquecimento não apague o que vivemos. Suponho que se a Paula me pudesse ouvir gostaria de saber o que aconteceu
às pessoas que amava depois da sua partida.

CL – Mas há uma grande diferença entra a absoluta catarse de «Paula» e um certo sossegar, um certo descanso em «A Soma dos Dias».

IA – Tenho quase mais 15 anos de idade, sou uma mulher madura. E a minha vida mudou. Tenho mais paz e estabilidade, é natural que isso se reflicta na escrita. Há 20 anos que partilho a minha vida com Willie, o meu marido, e sou feliz com ele, depois de termos passado por muitos problemas. Aceitei a morte da Paula e vivo com a sua memória. Escrevo também hoje com mais facilidade, tenho mais experiência. O meu estilo é menos barroco e mais directo, uso frases mais curtas, menos adjectivos.

CL – Assume-se tribal e matriarca neste livro, mas «A Soma dos Dias» é também uma história de amor, não? Ou as várias transformações de um mesmo amor...

IA – Estou há muitos anos com Willie, brigámos, reconciliámo-nos, seguimos em frente com nossos filhos e netos, compartilhámos alegrias e desgraças, êxitos e fracassos. Posso dizer que temos uma boa parceria. Mudámos os dois ao longo destes anos, e a nossa relação transformou-se. Sentimo-nos confortáveis nas nossas rotinas. Gostamos de estar juntos, e angustia-nos separarmo-nos. A nossa é uma verdadeira história de amor.

CL – Parece haver uma ligação muito estreita entre a sua escrita e a sua sobrevivência. Depois da escrita de «Paula» reagiu à tristeza com a edição de «Afrodite». E cito-a: “Atribuí a mim mesma uma «reportagem» o mais diferente possível do livro anterior, sem nada que ver com dor e perda, apenas com os pecados prazenteiros da vida: a gula e a luxúria. “

Aí está guerreira, sempre a bregar, a bregar (a lutar, a lutar)?


IA - Sou aventureira e apaixonada, não tenho medo de correr riscos, não recuo perante a necessidade lutar por algo, mas a vida não é só bregar, não é só luta. Também a gozo, à vida, com os sentidos. Willie e eu somos o tipo de pessoa que pode cair de joelhos mas sempre voltará a pôr-se de pé. Não diria que somos guerreiros, mas somos fortes.

CL - Quase no final do livro pousa a cabeça no ombro de Willie e diz-se cansada de matar dragões. Aceitaria o subtítulo de “o descanso da guerreira” para este livro?

IA - Não. O repouso da guerreira não é um bom título porque sei que se aparecerem outros dragões no horizonte voltarei a empunhar a espada para os combater. É bom repousar a cabeça no ombro de Willie, mas isso não quer dizer que me tenha convertido numa romântica donzela. Nada disso! Esta etapa da minha vida tem sido mais fácil e feliz que antes, mas tudo pode ainda mudar. Por isso guardo a minha armadura debaixo da cama, preciso dela para o futuro.


CL-Círculo de Leitores

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