“ Para educar uma criança é preciso a tribo inteira”
Há não muitos anos atrás, a educação das crianças estava a cargo da família, da igreja e da aldeia. Ao professor cabia a simples tarefa de instruir, sem grandes preocupações com a diferença, impondo um estilo próprio a qualquer dos grupos a quem se dirigisse, e deixando ao critério dos ouvintes a estratégia de aquisição do conhecimento Este debitava conhecimentos, por vezes de forma monótona, sem resistência nem interrupções, (nesse tempo, só frequentavam a escola os filhos de elites, e a sua instrução era levada a sério pois perpetuava-os no poder). O professor pouco ou nada se actualizava ao longo da vida (nesse tempo a ciência ainda não duplicava cada dois anos), e podia dedicar grande parte do seu tempo a enriquecer a sua cultura geral, se assim o desejasse. O trabalho burocrático ainda cabia integralmente aos funcionários administrativos e o horário de permanência na escola era de 22 horas semanais. Nesse tempo, o professor, que, ou era homem e, frequentemente, tinha em casa a esposa a tratar da casa e da família, ou, sendo mulher, tinha em casa uma empregada, a tempo inteiro, que providenciava todo o trabalho doméstico (dez por cento do seu vencimento era suficiente para lhe pagar: ainda não se falava em igualdade e justiça social), era o fiel depositário do saber, tinha prestígio, tempo, e uma vida relativamente facilitada por todos. Era de facto “um senhor”!
Hoje, que a “tribo” se desmembrou, porque cada um dos seus membros se encontra, algures, a trabalhar sem descanso, sob a ameaça de um qualquer sistema de avaliação, mais ou menos arbitrário, espera-se do professor que instrua, de forma individualizada, cada um dos seus duzentos alunos, que provêm dos mais variados estratos sociais (pertencendo a maioria deles à primeira geração escolarizada); que domine as mais modernas pedagogias e recorra a estratégias de diferenciação, enquanto, simultaneamente, se lhe exige que consiga uma taxa de sucesso de 100%. Espera-se que substitua as famílias na educação e na providência do afecto de que carecem muitíssimos dos seus alunos, e que, simultaneamente, garanta a custódia dos potenciais marginais. Espera-se que substitua o psicólogo e resolva os casos problemáticos e que, simultaneamente, nesta escola ideal, inclusiva, (e sobrelotada! E sem meios!) domine as mais modernas técnicas de abordagem dos casos com deficiência sem que, para o efeito, o tenham preparado. Espera-se que a escola, pela mão dos professores, acabe com o abandono escolar, com os problemas sociais, com a marginalidade, com a criminalidade, desmontando dia após dia, hora após hora, o processo de deseducação de que são alvo os filhos dos indigentes, dos dependentes, dos incompetentes, dos marginais e criminosos, que também frequentam a escola. Culpabilizam-no pela indisciplina, pela agressividade e pela violência, apesar de se saber hoje que “ uma diferença grande entre os valores centrais de dois grupos pode levar ao antagonismo directo por falta de um sentimento de humanidade partilhada”. Espera-se que compita, diariamente, com os meios de comunicação, com as novas tecnologias e que, para o efeito, as domine, e as use nas suas aulas, para as quais também deverá criar e desenvolver materiais diferentes, arrojados, interessantes, capazes de fazer esquecer os adorados telemóveis, os generalizados jogos de computador, as “chatrooms” e toda a panóplia de “imprescindíveis” bens materiais, tão queridos à recentemente instalada cultura hedonista. O imediatismo vigente (tudo é descartável!), quase impossibilita a acumulação de conhecimentos, indispensável na cultura escolar que temos. Desenvolver o potencial intelectual, sem acumulação de conhecimentos, é uma tarefa, obviamente, impossível. Sabe-se, aliás ,que “ a capacidade para adiar a recompensa contribui poderosamente para o potencial intelectual (…) e é talvez a essência da auto-regulação emocional”...
Enquanto se debate com todas estas dificuldades, trabalhando nas condições mais adversas que se podem imaginar, com mudanças a ocorrer ao ritmo da vertigem, vê, o professor, alargado para 26 horas o seu tempo de permanência na escola, quadruplicadas as suas tarefas, vê-se inundado de tarefas burocráticas, e com o seu vencimento diminuído para níveis aproximados dos das suas potenciais empregadas domésticas, impossibilitado, assim, de pagar a quem lhe tome conta dos filhos, enquanto, que (pasme-se!) se lhe dificulta, de forma revoltante, o seu acompanhamento (mesmo na doença!). Proporcionam-lhe condições de trabalho dignas de escravos, e exigem-lhe um perfil e uma produção de resultados dignos de executivo de multinacional.
Num tempo em que se sabe que “ nunca se exigiu tanto do indivíduo como agora (…) obrigado a inventar a sua vida sem manual de instruções”, ao ritmo alucinante da mudança, e sabendo-se como se sabe que “ para ser um bom educador, como para ser um bom médico, é preciso ser fundamentalmente um optimista”, surpreendem-se, os responsáveis, com a reacção, nunca vista, da “corporação” mais desunida, e agora, mais desesperada, que o mundo alguma vez conheceu!
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