Marco de Canaveses, 2005-06-08
Ávida de obras-primas, não consigo deixar de olhar, por vezes com algum desdém, os livros que não encaixam no meu próprio conceito de obra-prima, ainda que a sua leitura me tenha proporcionado momentos de prazer, e por vezes tenho alguma relutância em dar-lhes qualquer relevância falando delas.
É este o caso do último livro que li , ao contrário do habitual, sem interrupção, sem o alternar com outras leituras como habitualmente faço, e de que gostei particularmente, já que com ele aprendi alguma coisa.
“ O percurso do Primeiro Romance” , assim se chama o livro de Jean Michel Barrault, que decidi ler porque o título me induziu em erro, serviu, entre outras coisas, para trazer ao consciente uma noção que já existia no meu subconsciente. Sempre tive uma enorme relutância em ler o que os livreiros expõem em primeiro plano, os livros da moda, aqueles que estão na boca de todo o mundo, que são mencionados por jornais e revistas, e cheguei a pensar que era pura mania minha. Confesso até, que este quase preconceito é responsável por eu não ter lido, ainda, qualquer livro do Miguel Sousa Tavares, (a não ser um infantil que ofereceram ao meu filho) ou da Isabel Allende…
A minha desconfiança relativamente à publicidade é tal, que sempre me afastei dos livros que ocupam demasiado espaço em lugares de destaque de demasiados espaços comerciais (só fui abrindo excepção para autores cuja qualidade reconheço porque conheço a sua obra). Daí este meu gosto pela troca de impressões. O maior estímulo que alguma vez tive para efectuar qualquer das minhas leituras, foi sempre a opinião ou o entusiasmo de alguém em cujo gosto confio mais do que no colorido de capas e escaparates.
Como dizia, este livro, cuja estrutura e estilo são, para mim, completamente novos, agradou-me bastante pela sua originalidade e pelo realismo do seu conteúdo, que numa linguagem por vezes muito elegante, outras muito precisa, quase sempre de uma ironia finíssima, expõe, inteligentemente, de forma romanceada, a hipocrisia em que está, actualmente, mergulhado o mundo da literatura; o mundo dos prémios e honrarias; os modos como são forjados alguns best-sellers; as circunstâncias em que alguns escritores são guindados à categoria de estrelas, ao passo que outros são absolutamente ignorados (não tendo esta eleição por base a qualidade dos seus escritos); o modo como funciona os meandros da crítica literária (os clientelismos, as capelinhas mais ou menos influentes), os lobbies das editoras; o modo despudorado como os livreiros nos conduzem as leituras “ obrigando-nos” a consumir determinadas obras…Enfim, também a arte a sofrer do mal dos tempos, deste mundo economicista e interesseiro em que vivemos e o risco que o artista corre de se tornar um mercenário se se deixar “ seduzir pela palha dos estábulos dourados do mundo” e se não for “ afastando com jeito ou força, todos os obstáculos que se levantam (por exemplo, o [seu] sentido de apetência do cómodo” como tão bem disse Agostinho da Silva.
Mesmo considerando que é um livro muito situado no tempo, que será provavelmente esquecido para sempre dentro de alguns anos, penso que contém, mesmo assim, algumas questões intemporais (o romance fala de si próprio, o escritor fala do escritor, a própria linguagem fala da linguagem, o criador fala da criação). Gostei imenso!
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