"Nos países humanos o amor
mistura-se muito com palavras equívocas”, como tão bem diz Gonçalo M. Tavares no livro Uma
Viagem à Índia. Por amor (ou não) muitos professores se queixam diariamente que
os seus alunos não fazem, não estudam, não querem, não se esforçam... Há quem
manifeste as suas preocupações com bonomia e peça ajuda com humildade. Há quem
o faça com a violência de quem acusa, tal o seu desespero! Inúmeros bons
professores exasperam-se, diariamente, porque não conseguem fazer passar a
mensagem; porque não conseguem cumprir os programas; porque não sabem mais como
preparar os alunos para os exames; porque os seus alunos não se interessam por
nada…. E esquecem que “o [seu] desespero não interessa a ninguém. Cada um tem o
seu: pessoal e intransmissível”, nas palavras sábias de António Gedeão.Pessoalmente,
acredito que "é [sempre] melhor acender uma pequenina vela do que maldizer
a escuridão", mas apercebo-me de que raros são os que, em vez de se
queixarem, se questionam sobre as razões pelas quais o seu esforço não dá fruto.
Por exemplo, nunca ninguém se senta espontaneamente à mesma mesa para
reflectir, de boa fé, sobre as razões para tão grande descalabro, muito menos
para, em conjunto, encontrar soluções. Nunca ninguém se senta para discutir e
analisar o que não funciona, porque não funciona e o que é preciso mudar para
que funcione.
Ninguém assume que, se há culpa de alguém em qualquer “torto” estado de coisas, essa culpa nunca será das crianças, como claramente especifica a “Convenção dos Direitos da Criança” – lembre-se, a propósito, que a mesma define criança como ser humano até aos 18 anos, delegando toda e qualquer responsabilidade no adulto, o que não acontece por acaso.
E não se diga que se pretende, com isto, reforçar positivamente os comportamentos distorcidos de quem trata certas crianças como “coitadinhas” porque isso também é subtrair-lhes a dignidade a que têm direito. A questão é a de, tratando-os como iguais, dar-lhes aquilo a que têm direito: meios de atingir o que a generalidade dos seus pares consegue atingir, não deixando de lhes exigir a sua cota parte de esforço no processo da própria aprendizagem.
Ninguém assume que, se há culpa de alguém em qualquer “torto” estado de coisas, essa culpa nunca será das crianças, como claramente especifica a “Convenção dos Direitos da Criança” – lembre-se, a propósito, que a mesma define criança como ser humano até aos 18 anos, delegando toda e qualquer responsabilidade no adulto, o que não acontece por acaso.
E não se diga que se pretende, com isto, reforçar positivamente os comportamentos distorcidos de quem trata certas crianças como “coitadinhas” porque isso também é subtrair-lhes a dignidade a que têm direito. A questão é a de, tratando-os como iguais, dar-lhes aquilo a que têm direito: meios de atingir o que a generalidade dos seus pares consegue atingir, não deixando de lhes exigir a sua cota parte de esforço no processo da própria aprendizagem.
Como é possível que um professor (um mestre?)
não saiba que há famílias incompetentes, outras demasiado ocupadas em tentar
sobreviver, outras onde a desgraça parece não ter fim, outras onde a pobreza
mental é franciscana, e que há crianças que acumulam, ao azar de ter nascido
nessas famílias, o azar de ter encontrado, no seu percurso escolar,
profissionais que, por se demitirem das suas responsabilidades, agravaram de
forma irrecuperável a sua situação de inferioridade? Muitas delas acumularam
tantos fracassos que, por pura defesa, se rodearam de arame farpado face a quem
os fez sentir inferiores e indignos: a escola. A quem cabe solucionar tão
grande problema dentro da sala de aula, dentro da escola, na sociedade? Aos
miúdos? Aos seus pais incompetentes?
Como é possível que um professor
não conheça, ou ignore o primeiro e mais importante dos direitos humanos “todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos ”, e não
assuma a sua cota parte de dever, já que é “dotado de razão e de consciência”
de agir(…) para com aqueles deserdados “em espírito de fraternidade”, como
consigna aquele direito para poder ser concretizado?
A obsessão com o programa, com o
exame, com o teste, com as notas é, em determinados contextos, uma obsessão
infantil! Se em vez de máquinas que competem conseguirmos destruir o arame
farpado e devolver aos lesados da sorte a dignidade a que têm direito já o
nosso esforço terá a devida compensação. E não acredito que “dando-lhes
diariamente mais do mesmo” consigamos alterar o estado de coisas no que diz
respeito a interesse, participação, disciplina- os grandes entraves ao sucesso,
habitualmente referidos pela generalidade dos professores…
Desafio um professor que seja a
refutar a minha convicção de que em situação de actividade extracurricular, na
qual os alunos são envolvidos na qualidade de actores, e não de espectadores
como em sala de aula, na qual têm um papel a desempenhar e se sentem úteis, importantes
até, o equilíbrio entre os alunos é muito mais elevado e as aprendizagens muito
menos penosas e mais eficazes. Se assim é, por que razão se fecham cada vez
mais as portas das salas de aulas e é cada vez mais difícil mobilizar pessoas
para actividades de cariz interdisciplinar, tão maltratadas por quem devia
pedi-las, exigi-las até, pelo tempo e trabalho que poupam, tendo em conta que
há tantos temas que são comuns a várias disciplinas e que tratá-los globalmente
sob diversas perspectivas é seguramente muito mais interessante do que
repeti-los até à exaustão nas diversas disciplinas até que deixem de fazer sentido.
Texto enviado ao Conselho Pedagógico do Agrupamento em Outubro de 2015