sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Ser professor: uma MISSÃO impossível?


"Nos países humanos o amor mistura-se muito com palavras equívocas”, como tão bem diz Gonçalo M. Tavares no livro Uma Viagem à Índia. Por amor (ou não) muitos professores se queixam diariamente que os seus alunos não fazem, não estudam, não querem, não se esforçam... Há quem manifeste as suas preocupações com bonomia e peça ajuda com humildade. Há quem o faça com a violência de quem acusa, tal o seu desespero! Inúmeros bons professores exasperam-se, diariamente, porque não conseguem fazer passar a mensagem; porque não conseguem cumprir os programas; porque não sabem mais como preparar os alunos para os exames; porque os seus alunos não se interessam por nada…. E esquecem que “o [seu] desespero não interessa a ninguém. Cada um tem o seu: pessoal e intransmissível”, nas palavras sábias de António Gedeão.Pessoalmente, acredito que "é [sempre] melhor acender uma pequenina vela do que maldizer a escuridão", mas apercebo-me de que raros são os que, em vez de se queixarem, se questionam sobre as razões pelas quais o seu esforço não dá fruto. Por exemplo, nunca ninguém se senta espontaneamente à mesma mesa para reflectir, de boa fé, sobre as razões para tão grande descalabro, muito menos para, em conjunto, encontrar soluções. Nunca ninguém se senta para discutir e analisar o que não funciona, porque não funciona e o que é preciso mudar para que funcione. 
Ninguém assume que, se há culpa de alguém em qualquer “torto” estado de coisas, essa culpa nunca será das crianças, como claramente especifica a “Convenção dos Direitos da Criança” – lembre-se, a propósito, que a mesma define criança como ser humano até aos 18 anos, delegando toda e qualquer responsabilidade no adulto, o que não acontece por acaso. 
E não se diga que se pretende, com isto, reforçar positivamente os comportamentos distorcidos de quem trata certas crianças como “coitadinhas”  porque isso também é subtrair-lhes a dignidade a que têm direito. A questão é a de, tratando-os como iguais, dar-lhes aquilo a que têm direito: meios de atingir o que a generalidade dos seus pares consegue atingir, não deixando de lhes exigir a sua cota parte de esforço no processo da própria aprendizagem.
 Como é possível que um professor (um mestre?) não saiba que há famílias incompetentes, outras demasiado ocupadas em tentar sobreviver, outras onde a desgraça parece não ter fim, outras onde a pobreza mental é franciscana, e que há crianças que acumulam, ao azar de ter nascido nessas famílias, o azar de ter encontrado, no seu percurso escolar, profissionais que, por se demitirem das suas responsabilidades, agravaram de forma irrecuperável a sua situação de inferioridade? Muitas delas acumularam tantos fracassos que, por pura defesa, se rodearam de arame farpado face a quem os fez sentir inferiores e indignos: a escola. A quem cabe solucionar tão grande problema dentro da sala de aula, dentro da escola, na sociedade? Aos miúdos? Aos seus pais incompetentes?
Como é possível que um professor não conheça, ou ignore o primeiro e mais importante dos direitos humanos “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos ”, e não assuma a sua cota parte de dever, já que é “dotado de razão e de consciência” de agir(…) para com aqueles deserdados “em espírito de fraternidade”, como consigna aquele direito para poder ser concretizado?
A obsessão com o programa, com o exame, com o teste, com as notas é, em determinados contextos, uma obsessão infantil! Se em vez de máquinas que competem conseguirmos destruir o arame farpado e devolver aos lesados da sorte a dignidade a que têm direito já o nosso esforço terá a devida compensação. E não acredito que “dando-lhes diariamente mais do mesmo” consigamos alterar o estado de coisas no que diz respeito a interesse, participação, disciplina- os grandes entraves ao sucesso, habitualmente referidos pela generalidade dos professores…
Desafio um professor que seja a refutar a minha convicção de que em situação de actividade extracurricular, na qual os alunos são envolvidos na qualidade de actores, e não de espectadores como em sala de aula, na qual têm um papel a desempenhar e se sentem úteis, importantes até, o equilíbrio entre os alunos é muito mais elevado e as aprendizagens muito menos penosas e mais eficazes. Se assim é, por que razão se fecham cada vez mais as portas das salas de aulas e é cada vez mais difícil mobilizar pessoas para actividades de cariz interdisciplinar, tão maltratadas por quem devia pedi-las, exigi-las até, pelo tempo e trabalho que poupam, tendo em conta que há tantos temas que são comuns a várias disciplinas e que tratá-los globalmente sob diversas perspectivas é seguramente muito mais interessante do que repeti-los até à exaustão nas diversas disciplinas até que deixem de fazer sentido.

Texto enviado ao Conselho Pedagógico do Agrupamento em Outubro de 2015