quarta-feira, 12 de novembro de 2014

CONVITE

Apesar de não ter estudado as respectivas estatísticas, os dados que recolho da observação diária parecem-me inequívocos: Os hábitos de leitura dos portugueses correm sérios riscos de extinção.
E há livros que é um crime não ler!
Depois de uma tradição oral feita em cinzas, do enterro definitivo do passado e com ele as respectivas lições; com a desvalorização da história e das ciências humanas em geral; com o pragmatismo mercenário vigente e a indiferença provocada pelo oceano de letras e imagens em que se é diariamente submerso e que se não consegue abarcar, muito menos dominar, deixar que os livros, que reúnem em si todas as aprendizagens feitas ao longo dos tempos pelos nossos antepassados, sejam deixados ao abandono até que os consumam as traças, é um crime de lesa humanidade.
Assisto, perplexa, a um retrocesso cultural assustador. As tecnologias da informação e comunicação, próteses fabulosas que o engenho e criatividade humanos inventaram, são de tal modo atraentes e confortáveis, e exigem tão pouco esforço da parte de quem as utiliza, que o convite a deixar-se dominar por elas é irrecusável. Quem quer “perder” tempo a reflectir sobre conteúdos de mensagens simbólicas? A quem, depois do trabalho, das lides domésticas, da esteticista e do ginásio, do facebook e da “casa dos segredos”, restam quatro ou cinco horas disponíveis para gastar com a leitura de um livro pequeno, para, por fim, ainda ter que digerir o seu conteúdo? Quem encontra hoje vantagem na leitura tranquila e solitária? Quem valoriza a meditação? Quem se preocupa com questões como o aperfeiçoamento pessoal ou a elevação espiritual? (Quem é que ainda sabe o valor dos espírito?) Quantas pessoas restam, que se conservem donas de si próprias e do seu destino pessoal? E o que é que isso lhes importa?
Estou apostada em não deixar morrer “os [nossos] mortos talentosos”. Só as lições que deles recolhemos nos permitem perceber o que se passa à nossa volta e escolher, em liberdade e responsabilidade. Só as lições que deles recolhemos nos permitem perceber algo que é demasiado grande e abrangente que não é susceptível de ser agarrado pela cultura pequenina e imediatista dos nossos dias: Que “no mundo do eterno retorno cada acto humano tem o peso de uma enorme responsabilidade”.
           De uma forma simbólica e simultaneamente muito realista, “A Missão”, do saudoso Ferreira de Castro que já ninguém se dá ao trabalho de ler, dá-nos uma perspectiva claríssima dessa lei do eterno retorno, da importância da consciência e da responsabilidade, da ratoeira em que somos envolvidos pelos vícios do corpo; das consequências do modo como silenciamos a nossa alma para os satisfazer; da hipocrisia e cobardia que essa decisão implica; da perda de todos com as decisões erradas de cada um… Um manancial de aprendizagens fundamentais num livrinho pequenino e extraordinariamente bem escrito. Talvez não seja por acaso que os personagens que o enformam sejam missionários… Se as suas decisões são tão laicas e terrenas, como serão as dos leigos?...



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